A Maravilha #15


[...] A imagem tem o título "bloqueio". Legenda: "Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, (...). Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso, De expressão de todas as minhas sensações, (...). Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferrando, Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma." [...] de Álvaro de Campos. 

A Maravilha #14


Corpo cósmico — de proximidade em proximidade, o meu corpo toca em tudo: As minhas nádegas na minha cadeira, os meus dedos no teclado, cadeira e teclado na mesa, mesa no chão, chão nas fundações, fundações no magma central da Terra e nos deslocamentos das placas tectónicas. Se parto na direcção oposta, através da atmosfera chego às galáxias e por fim aos confins ilimitados do Universo. De Jean-Luc Nancy (in, Cinquenta e oito indícios sobre o corpo)

[…] Num sentido oposto a esta lógica "arqueológica" pode-se descrever a produção de imagem em três categorias: a descrição “analítica, abstracta, e processual”, (Martin Kemp). A descrição “analítica” refere a imagem como sendo produzida pela “re-presentação” literal baseada no entendimento óptico da natureza — a representação do real que usa o sistema de projecção da perspectiva linear, a descrição racional da luz e da sombra, assim como, a modulação da cor como ferramentas. A descrição “abstracta”, atribuída à ciência moderna, inclui a introdução de aparelhos que medeiam e potenciam o sentido visual — o raio-X, o microscópio, os infravermelhos, a fotografia, etc. — aparelhos que permitem ver o que era inacessível ao olhar. Descrição que propõe o corpo ao serviço da experiência aparelhada encerrando “aquilo que é visto” segundo a especificidade da intenção do olhar que mecaniza. A descrição “processual” é relativa à imagem constituída, a priori, fora de um sistema determinista — quando o olhar atinge o limite da matéria as concepções anteriores alteram radicalmente sobre a exigência de um outro corpo. A imagem de descrição “processual” apresenta o debate sobre a computação que reclama a dimensão visual para a matemática avançada. O caso da matemática fractal, tal como a Teoria do Caos que definiram padrões para sistemas imprevisíveis não se vê livre de uma política de controlo que se pretende realizar na formalização de códigos que autonomizam “o corpo”. Mas, esta última descrição coloca o corpo permeável à permanente interferência, um corpo improvável e não causal que se constitui na rede informática, na intimidade técnica. Então, a descrição “analítica” parece “scanerizar” a superfície, enquanto a “abstracta” entra pelo corpo dentro. A designada por “processual” descobre a instabilidade, o movimento, o corpo em ligação.
Em “profundidade” e através de escalas o “olhar” relaciona-se com estas três categorias para o “corpo”— pelo menos desde que a imagem aparece da conversão do desconhecido invisível para a verdade do visível, até à conversão da matéria orgânica em inorgânica, da carne em números, da realidade em virtualidade — a necessidade de definir “três modos para olhar o corpo” relaciona-se com a descrição da respectiva imagem na altura do seu desvendamento e conversão, sendo assim, o “CORPO MACRO” é concomitante da “descrição analítica”, o “CORPO MICRO” da “descrição abstracta” e o “CORPO NANO” da “descrição processual”.Todos eles potenciais “corpos controlados”. Resta o desvio e a crítica.