A Maravilha #17

“A humanidade não permanecerá para sempre presa à terra” (Konstantin Tsiolkovsky, 1857-1935). Esta bem poderia ser uma das frases base que impulsionou a “Nomenclatura Lunar”, especialmente esta que escrita jaz no túmulo do referido cientista Russo. No prólogo de A Condição Humana (1958), Hannah Arendt dá conta deste facto, alertando que as realizações da ciência afirmaram o que o homem tinha antecipado em sonhos — “sonhos que não eram loucos nem ociosos” — assim como a literatura de ficção científica à qual “ninguém” (?) deu a devida atenção. A reflexão de Arendt sobre a era moderna parte da averiguação histórica da distância entre o homem e o seu mundo, ideia que resume na expressão “ponto de vista arquimediano”: a utilização de um instrumento científico mediador que comprovava o que antes estava destinado à contemplação sensorial directa, não fez mais do que desvalorizar a aptidão dos sentidos para adquirir a verdade do mundo que lhe aparecia. Aqui “mundo” compreende a seguinte divisão postiça: o que foi dado ao homem (a natureza que existe sem o seu auxílio) e o que foi fabricado pelas mãos do homem (homo faber). O dito “ponto” deslocou de tal forma o homem que a alienação passou a ser o estado estimado e dirigente das fábricas dos homens. Por exemplo, a ciência moderna isolou a natureza, ou melhor, chegou a fabricá-la dentro dos laboratórios, herméticos a eventuais distúrbios. Talvez devêssemos reter um pouco mais aqui, pois tem de ficar claro que os instrumentos, ferramentas e utensílios foram feitos pelo homo faber para construir um mundo e não para com eles servir uma necessidade vital do humano. O exemplo mais radical desta alienação foi o exercício de abstracção matemática. O discurso dos signos, um dos instrumentos mentais mais importantes da ciência, revela-se tão longe da palavra através da qual os homens comunicam que permitiu a libertação espacial, material e terrena, pois, “em vez de observar os fenómenos naturais tal como estes se lhe apresentam, (o homem) colocou a natureza sob as condições da sua própria mente, isto é, sob as condições decorrentes de um ponto de vista universal e astrofísico, um ponto de vista cósmico localizado fora da própria natureza.”A tecnologia investida pela ciência moderna serviu para mostrar a verdade desse abstracto, e também mostra que é uma verdade disposta e composta. Mas, retirando as palavras a Arendt, “politicamente, o mundo moderno em que vivemos surgiu com as primeiras explosões atómicas.” Hoje, os instrumentos e o conhecimento sugerido por estes confrontam-nos com a possibilidade arcaica do homo creator: sim, esses zombies biotecnológicos que emergem da plasticidade e do controlo laboratorial anunciam de novo um fim e um princípio.